Sunday, August 05, 2007

O Mergulho

"Misturas de sentimentos borbulham cá dentro, um constante som agudo assobia forte e insistentemente no meu ouvido, tão forte que o tímpano ameaça rasgar a qualquer momento.
Tudo é vermelho. Sangue, sangue à minha volta!
Vou-me afogar nele, vou..."

Desesperadamente tentou salvar-se da eterna perdição, lutou com todas as suas forças, mas os tambores começavam a ouvir-se, lá ao fundo!... A marcha tinha começado!
Em breve não restaria nada...
Nada...

Rum-tu-tum tum-tum rum-tu-tum tum tum
RUM-TU-TUM TUM-TUM TUM-TUM TUM-TUM

...

Porque tudo ficou silencioso de repente?

O tom agudo de um tímido piano soava ao longe, ainda envergonhado na imensidão escura ao seu redor, ao mesmo tempo que uma ténue luz branca, gradualmente mais intensa, iluminava uma enorme porta.
Vísivel por entre brumas distantes, o piano prosseguia o seu melancólico lamento, as suas teclas levemente cedendo à pressão feita por tristes dedos invisíveis, reproduzindo flutuantes notas que se perdem no breu envolvente...
A agonizante revolta abandonou lentamente o corpo e a mente de Estrela e ela entregou-se à inquietante paz proporcionada pela melodia do piano, quase indistinto ao fundo.
Os seus olhos fitavam a majestosa porta à sua frente. Era uma porta de pedra alva, com pontos brilhantes qual gemas em bruto incrustadas na rocha-mãe. A toda a sua volta viam-se gravuras ondulatórias, lembrando o movimento incerto do mar e, no centro, uma sereia envolvia nos seus braços um disco que, à luz branca incidente, reflectia um tom dourado suave, o qual ainda assim parecia aquecer o coração de Estrela.
Quis atravessar aquela porta, saber o que estava para além dela... Esticou a sua mão e assim que tocou a pedra branca, deixou-se engolir por uma sensação estranha, refrescante, atravessando por completo o que antes parecia ser rocha maciça.
Quando olhou para trás, a porta tinha desaparecido e apercebeu-se de que estava nua. Mas não se importou. As trevas à sua volta começaram a dissolver-se progressivamente num tom azul profundo. Sentiu-se leve... flutuando num espaço familiar e acolhedor, à medida que começava a ascender em direcção a uma luz branca...

Inspirou fundo quando emergiu à superfície do mar, olhando a praia perante si, debilmente banhada pela luz da lua cheia e das estrelas, ouvindo ao longe o canto melancólico de uma baleia por entre a neblina.