Sunday, November 18, 2007

Cartas

Estrela caminhava lentamente, descalça, pelo soalho de madeira do seu quarto. Ainda estava quente do dia, embora o sol já se tivesse posto há algumas horas e ela queria absorver todo o calor e conforto que conseguisse através dos seus pés.
Olhando para a jovem noite, desejava poder subir à lua, tão facilmente como quem sobre umas escadas, e sentar-se nela ouvindo canções das estrelas.
A brisa nocturna entrava pela janela e roçava-lhe docemente nos cabelos. Lançou rapidamente um olhar a uma gaveta da sua escrivaninha e logo o desviou. Dirigiu-se para a sua cama, deitou-se e adormeceu imaginando-se sentada num crescente de lua, tentando não pensar no que realmente a atormentava nos últimos dias (se não a tinha atormentado desde sempre...). Durante toda a noite sonhou com ele.

Acordou com os primeiros raios de sol a baterem-lhe suavemente no rosto, através das cortinas. O tempo estava bom mas Estrela não conseguia evitar sentir-se deprimida como nos dias de chuva pesada. Ultimamente era como se estivesse vazia por dentro, um buraco negro que absorvia toda a luz e não deixava nada para iluminar o coração com um pouco de esperança. Andava desmotivada, sem rumo.
Sentou-se na cama, numa calma apatia, olhando em redor, mas os seus olhos nada viam. Finalmente decidiu levantar-se e ir lavar a cara para despertar de toda aquela dormência.
Havia um ânsia dentro de si, algo que ela sabia que precisava de fazer, como a satisfação de um desejo pecador, algo que ela se havia proibido de fazer e no entanto não conseguia parar de pensar nisso. Olhou a mesma gaveta que tinha olhado na noite anterior. Desta vez demorou os seus olhos nela, como que a penetrar pela madeira, vislumbrando o seu interior.

Quando deu por si estava a abrir a gaveta. Podia sentir o cheiro do papel elevando-se no ar à luz do sol nascente. Ali estavam guardadas palavras, frases, sentimentos escorridos da caneta em momentos de catarse, coração aberto. Esperança.
Atadas com ráfia, algumas amareladas pelo tempo, nos seus envelopes bem fechados, as cartas escritas mas nunca mandadas, o brilho de Estrela posto em papel e caneta, um brilho que parecia tomar forma e emanar delas. Talvez apenas um efeito da luz solar, no entanto de alguma forma pulsante e místico.
Tirou as cartas da gaveta, sentiu-lhes o peso, a textura irregular dos envelopes, deixou as emoções escritas subirem-lhe pelo braço e saboreou-as todas, primeiro uma de cada vez, depois todas em simultâneo.

Viu-se mais uma vez sentada num crescente de lua, olhando a Terra, procurando um ponto nela,o único que brilhava para ela de lá de baixo. A única razão por que olhava a Terra com tal ânsia. Finalmente encontrou o alvo da sua busca, emitindo uma luz que se tornava cada vez maior e mais quente. De repente apagou-se e tudo ficou escuro. Estrela ficou desorientada e sentiu-se cair, caiu de uma altura incalculável, caiu eternamente.

Regressando novamente a si, pequenos suores cobriam-lhe a cara, uma lágrima caiu no seu rosto. Era assim, ela sabia-o, não havia luz para ela, nenhum caminho se abria aos seus pés desde que caíra da Lua. Sentia um aperto no peito, percebendo o que a deixava neste estado de apatia...

Guardou as cartas na gaveta. Dirigiu-se ao telefone e marcou o número que lhe palpitava na cabeça.
- Estou? - respondeu ele do outro lado da linha.
- Precisava de ouvir a tua voz. - Estrela sabia que ele se aperceberia que era ela quem ligava.
Ele não soube como responder e reduziu-se ao silêncio.
- Fala, por favor... - pediu-lhe Estrela.
- Não sei o que te diga.
- Gostava de te ver. Hoje vou estar na praia. Vem ter comigo, se quiseres, claro. - sussurrou - por favor...
Desligou o telefone antes que ele pudesse responder. Não queria ouvir a resposta. Naquele dia ela estaria na praia esperando por ele e olhando o mar.



(Nota: Precede "Sem Título")