Saturday, February 23, 2008

Mais um ponto no céu

Chama-a, refrescantemente cantando o seu nome... Vem... Vem... Eterno apelo líquido, a corrente do rio, as suas águas: algo tão reconfortante... Estrela sente o fresco da água na ponto do seu pé, entrando ainda a medo no rio. Quer entregar-se por completo...! Deixa-se molhar, o seu leve vestido a colar-se ao corpo. ela é livre para fazer o que quiser e o que quer é unir-se à Natureza, e em harmonia com ela! Flutua, então, levada pelas correntes das águas no seu leito, os seixos mais pesados rolando no fundo.
Está uma noite linda, sem nuvens. Nada luz para além dos milhões de pontos no céu e da Serenidade nocturna: a lua está cheia e tão nítida... Estrela apenas vê o céu, os pontos luminosos, e contempla a grande lua. Pesquisa todas as crateras, todos os mares e continentes que consegue. Uma nostalgia tão grande, uma melancolia, cada olhar ao luar lhe abre uma ferida no coração e é como se o sangue e as lágrimas se juntassem à água límpida do rio, se misturassem e dissolvessem nela e assim desaparecessem, deixando um vazio muito bem-vindo dentro de Estrela. Resta só ela, o rio e o céu, em perfeita comunhão.
Para onde é levada? Não sabe... Deambula, ou deixa que deambulem por ela (se tal coisa é possível). Para onde a Natureza a levar, assim o Destino quererá, pois Estrela é agora vazia por dentro... Não tem, nem quer ter, qualquer domínio sobre o seu caminho.
Gradualmente, sente pequenas pedras, arredondadas e amaciadas pela água, nas suas costas. Quis o Caminho que ela chegasse a esta margem.
Depois de olhar novamente a lua, levantou-se, sentiu a água escorrer ao longo do seu corpo, do seu cabelo, da sua alma, limpando-a toda. E afastou-se do rio, pisou erva tenra e fresca, caminhou sobre ela e sentiu-a até se unir a ela, até ela própria ser erva.
A noite ia avançada, mas Estrela não sentia frio. E andou, andou... Sem rumo, mas ao mesmo tempo parecia que sabia para onde ia. Parou apenas quando se viu perante uma imponente àrvore. Tinha ramos com folhas verdes e jovens e parecia chamar por ela, como o rio fizera. Seria loucura dizer que lhe sorria sedutoramente.
Nesse momento, o dia começou a romper a noite, a lua estava já muito longe, as estrelas apagavam-se, a luz do sol a acordar aquela terra de sonhos. O céu tomou tons rosados, num espectáculo natural que Estrela observava maravilhada. Foi como se o tempo tivesse parado naquele instante.
O sol não subiu, o céu continuou rosado, escaldante, e Estrela olhou mais uma vez a árvore, retribuindo o sorriso que esta lhe parecia dirigir, caminhando até ela. Estendeu o braço, fechou os olhos e tocou a sua casca. Mas... não foi casca que ela sentiu...

A sua mão tocava um rosto, macio embora pudesse sentir a presença de barba. Abriu os olhos e deu consigo no meio da rua, com o braço estendido, tocando, como que numa carícia, uma cara bastante familiar. Ele parecia confuso:
- Então, Estrela... Agora andas de olhos fechados pela rua? - era visível um certo embaraço e o pouco à-vontade com que se lhe dirigia.
Estrela apressou-se a tirar a mão da cara dele. Tinha estado a deambular pelas ruas, a sonhar acordada com rios e erva e céu e tinha ido parar exactamente àquele sítio, diante daquela pessoa.
Houve uns segundos de silêncio, segundos que pareceram uma eternidade para ambos. Ela levantou os olhos e encarou-o. Olhou novamente os seus traços, a sua expressão (agora um pouco apreensiva)... Não estava vazia por dentro; estava a transbordar sentimento e emoção...!
- Gostava de te poder sentir, de poder agarrar a tua mão, levá-la ao meu peito, fazer-te sentir o bater do meu coração. Gostava de ver nos teus olhos o que tenho a certeza que vês nos meus quando eu te olho: carinho, amor, paixão, certeza! Gostava de sentir mais uma vez o teu toque... Queria eu própria poder tocar-te, explorar-te, desejar-te à vontade! Estar nos teus braços e tu nos meus, sentir que és meu e eu sou tua! Queria que acordasses um dia e que me desses tamanho valor que pudéssemos partilhar um sentimento que agora é unidireccional... Será demais pedir isto? Será ousadia pedir que sejas, de novo e para sempre, meu? Só queria que estivesses comigo, uno e inteiro. Porque não posso ter tudo o que mais quero na vida?... - baixou os olhos, respirou fundo - Desculpa... Desculpa dizer-te isto tudo... Mas não há como fingir. Desculpa se as minhas mãos suam de cada vez que estou perto de ti. Desculpa se não consigo parar de te olhar. Desculpa se não consigo parar de te desejar. Desculpa se não consigo parar de te amar!... No fundo, eu ainda espero poder sentir o teu amor, não o de qualquer outra pessoa... Só o teu...
- Estrela...
Seguiu-se mais um momento de silêncio. Este, efectivamente longo. As pessoas passavam por eles os dois, indiferentes. Foi com os olhos húmidos e a voz trémula que Estrela continuou:
- A verdade é que, apesar de ter demasiadas qualidades, claramente não são suficientes. E, apesar de brilhar muito, não passo de mais um dos milhões de pontos que existem no céu. Se ao menos fosse como o sol de dia e a lua de noite... - calou-se.
Não havia mais nada a dizer. Tinha-se exposto ao máximo, estava transparente. Não percebia ainda o que a tinha levado a ele, mas não tinha sido fruto do acaso. Esboçou um leve sorriso perante este pensamento: "É impressionante como não há coincidências..."
Inclinou-se e tocou suavemente com os seus lábios nos dele, sentindo-os pela última vez...
- Adeus...



Nota: Acho que podia ter dividido em duas partes. Mas escrevi-o todo de seguida. E pôr duas partes num blog como este não faz sentido se o todo já está escrito.